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sexta-feira, abril 16, 2004

Monix, você tinha razão.

O texto é ótimo, até decidi colar aqui as partes que eu mais gostei, pra ler e reler sempre.



Amar, verbo transitivo.



(Renato Janine)



Amar não é simplesmente bater nosso coração por alguém. Todos sabem que a paixão é veemente e o amor, calmo. Muitos, por isso mesmo, preferem a paixão ao amor. Mario de Andrade falava em “amar, verbo intransitivo”. É a paixão. Gosto do sentimento, mais que do parceiro. Troco-o, com o andar da vida. Mas amar, mesmo, é verbo transitivo. Em algum momento, posso aprender a gostar daquela pessoa, que conheço, com seus defeitos. O amor tem objeto direto. A paixão, não.



Por isso, o amor é mais difícil. Ele convive mais com a realidade. Ele suporta as falhas, as frustrações, a distância, o tempo, até mesmo – o que é tão complicado – eventuais traições. Num mundo descartável, ele se torna raro. É tão barato trocar de parceiro! Mas sem objeto direto, isto é, sem a convicção arraigada em nós de que o parceiro não é trocável, de que ele é singular e vale com suas qualidades e defeitos, não há amor.



Ora, pode ser que, assim mesmo, eu ame e o outro não me ame, ou não me ame mais. Minha pergunta é: se o outro não me ama mais, por que passo também eu a falar no passado? Por que nego o sentimento que deveras senti? A resposta que imagino é: porque sinto que me enganei quanto à identidade do outro. Não pode ser a mesma pessoa, a que me amava, a que me trai. Então, ela nunca foi o conjunto de maravilhas que eu imaginei. Então, amei uma miragem. E, se disser que ainda a amo, continuarei acreditando no fantasma, mais que na pessoa. Portanto, começo a separar o sentimento, que me enganou, da realidade, que me desengana. E esse desengano é terapêutico, ele me faz superar, aos poucos, a dor.

***



Mas há um terceiro ponto. Amar é mais forte ou mais frágil que a paixão? As duas coisas. Há pessoas que viviam um amor autêntico, que foi devastado porque um dos dois se apaixonou. O mais das vezes, a relação acaba de vez. Contudo, aqui há algo a comentar.



O amor é fraco diante da paixão, porque ele é mais calmo e ela, veemente. A relação entre duas pessoas que se amam é vulnerável, porque, diante dos custos e frustrações que têm, uma terceira pessoa pode parecer portadora de um sentimento perfeito, sem senões. Por isso, tantos dizem hoje que ninguém está a salvo de se apaixonar, e nenhuma relação está protegida contra o fim. É verdade.



Mas há outro aspecto. O amor tem sua força na retranca. Pode ser mau de ataque. Perde da paixão. Mas a paixão é enganosa. Ela vale na superfície, no imediato. Ela lida mal com as frustrações, o tempo. E é por isso que tantas vezes, passado o arroubo inicial, ela não sobrevive. O anterior sentimento torna a pulsar.



Algumas relações se restabelecem então, outras – talvez a maior parte – não. Porque é muito difícil aceitar que fomos traídos ou, pelo menos, deixados. Talvez a grandeza esteja em não ser conduzido pelo orgulho, em ter a coragem de dizer o que se sente: se um quer voltar, que o diga; se o outro o aceita de novo, que seja sincero. Não quer dizer que isso vá dar certo. Mas, pelo menos, que os corações se exponham.



E este é o resumo dessa crônica: temos a ganhar se lidarmos com nossos sentimentos, sabendo que são o que sentimos e não a realidade externa. As experiências que descrevi são de descompasso entre o coração e o mundo. Quis acentuar as vantagens que há nessa dor. O coração se conhece melhor, toma conhecimento da diferença entre ele e a realidade, aprende a suportar mais os seus fracassos – e, finalmente, se as coisas mudarem, se puder haver volta, o coração aprende também a esquecer sua dor, a apostar no futuro e não no sofrimento passado.



O coração, que pode causar nosso fracasso ao se iludir, pode também ocasionar nossa felicidade, se ele altera as condições externas. Tudo isso depende de uma coisa só, de sabermos que ele não é a medida da realidade. Meu coração não é o mundo. É apenas – mas isto é muito – parte essencial do que eu sou.



Clique aqui para ler o texto na íntegra.

posted by :Fabi:
2:21 PM